"Quantas vezes se morre ainda em vida? Talvez a pior morte de todas seja o viver no automático, esquecer o que se leva dessa passagem e não aproveitar o melhor dela. Ou talvez esquecer de si mesma e passar a viver a narrativa do outro, escapando de que se não nos tratarmos como protagonistas, alguém nos fará de coadjuvante. O fim não é o que conhecemos como definitivo, e sim, aquele que abre caminhos para os renascimentos que passamos na vida."
Ouvi Marcela Ceribeli iniciar assim um episódio do podcast da Obvious e a partir dali ela me ganhou. Quantas vezes já não morri e renasci em vida? Pensei.
Lembro a última vez. Me olhei de fora e me senti num "season finale", o episódio final de uma das temporadas da série da minha própria vida. O season finale é geralmente aquele episódio em que a gente mais chora, existe o sentimento de algo que se encerra e ao mesmo tempo fica uma ponta solta pra despertar interesse pela temporada que está por vir.
Você se lembra da última vez que morreu?
Percebo que algumas pessoas se permitem com mais desprendimento viver essa morte em vida, enquanto outras se protegem e dão tudo pra não deixar morrer. Talvez seja isso que meu terapeuta quis dizer com "a vida atrapalha a morte". Season finale é o momento em que revisitamos todas as melhores cenas da temporada… e dá um quentinho no peito rever tudo (de bom) que passou, um sentimento de nostalgia, apego: a vida atrapalha a morte.
No livro “Mulher que Corre com os Lobos”, Clarissa Pinkola recorre constantemente ao conceito "vida-morte-vida", como a capacidade de permitir morrer para renascer. Já Nietzsche dizia que “um homem precisa se queimar nas próprias chamas pra poder renascer das próprias cinzas”. Não estariam todos falando dessa morte em vida? E portanto nos/se colocando de frente com o medo de morrer?
Se permitir conscientemente morrer exige coragem. Dar um salto no escuro, sair de um lugar conhecido, "confortável" e rumar ao novo, desconhecido. É aquele misto de medo e curiosidade, de preguiça mas urgência. O que nos leva ao paradoxo: morrer exige coragem, ou coragem mesmo é passar uma vida em estado interno permanente de morte?
"Mas quem sabe se ela não estaria precisando de morrer? Pois há momentos em que a pessoa está precisando de uma pequena mortezinha e sem nem ao menos saber." - Clarice Lispector
Clarissa Pinkola diz que "grande parte do nosso conhecimento da vida-morte-vida é contaminada pelo nosso medo da morte", ou seja, dos términos. Diz também que "aprendemos que a morte é sempre acompanhada de mais morte. Isso simplesmente não é verdade. A morte está sempre no processo de incubar uma vida nova". E aí está o empurrão que precisamos, aquela ponta solta que nos faz ansiar pela nova temporada que vai chegar.
Nesse clima de Outono, onde as folhas precisam morrer pra dar lugar a vida nova na Primavera - o que em ti precisa morrer em vida pra abrir espaço pro novo chegar numa nova temporada?
Quantas versões de você precisaram acabar pra você ser quem você é hoje? Ou o que precisa acabar pra você sentir que está vivendo em sua maior potência? - Marcela Ceribeli